Com a Pandemia ganhando força e com a maioria das empresas com as atividades paralisadas, surgem várias dúvidas em relação aos contratos. A dúvida mais comum são em relação aos contratos em geral.
Será que os contratos simplesmente PERDEM A VALIDADE ?
Em “juridiquês” estaríamos tratando de eficácia e não validade, mas o que queremos saber é se os contratos estão valendo ou não, confere?
O artigo 393 do Código Civil estabelece que o devedor não responderá pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado e, complementarmente, o parágrafo único traz a previsão de que este instituto somente é aplicável se os efeitos dele decorrentes forem imprevisíveis e inevitáveis.
Em português claro, isso significa que não se pode exigir o cumprimento de obrigações que tenham sido dificultadas ou impedidas por motivos não causados por nenhuma das partes que firmaram um contrato.
Mas para iniciar, vamos entender o que seria um Caso Fortuito ou de Força Maior.
Caso Fortuito:
Caso fortuito é tudo o que ocorre, por culpa de terceiros e que influencia nas relações jurídicas (como o cumprimento de um contrato).
Exemplo: o aeroporto recebe uma ligação informando que há uma bomba dentro de um avião. Por prudência, a aeronave é evacuada e o esquadrão antibombas é acionado. Porém foi trote. Um alarme falso. Mesmo assim todos os voos foram atrasados. Pelo artigo 393 há um excludente da responsabilidade civil na relação contratual. Isto é, não adiantaria processar a empresa aérea pelo atraso do voo, pois não houve nenhum ato de imprudência, imperícia ou negligência da empresa; isto é, não está presente a culpa prevista no artigo 393 quando o mesmo indica em seu texto que “(…) se expressamente não se houver por eles responsabilizado”. Mas Veja: foi um evento causado por terceiro, que não fazia parte da relação jurídica (passageiro e companhia aérea).
Força Maior:
Da mesma forma que nos casos fortuitos, o motivo de Força Maior também não é culpa de nenhuma das partes da relação contratual. Só que aqui os fatos são originados por força da natureza ou consequências naturais. É justamente aqui que o exemplo da COVID 19 se enquadra. Não é uma pessoa que está efetuando interferência na relação jurídica, mas um agente externo que impede a continuidade de várias atividades, prejudicando os contratos.
Mas e aí? Como ficam os contratos afinal?
Bom, para começar devemos verificar se no contrato possui alguma cláusula relacionada aos casos fortuitos ou de força maior. Se o contrato nada prever, aplica-se o que a lei determinar. Os contratos que normalmente possuem essas cláusulas são os de seguro. Então, todos os demais contratos estão sujeitas à legislação vigente.
A lei pode ser o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor e o que for determinado pela justiça . Lembramos que o Congresso está ainda votando legislação nova para suprir o que não está ainda previsto. Isto é perfeitamente natural, pois esta é a função do Direito… Se ajustar de acordo com a necessidade do mundo sempre em mudanças.
Mas, de uma maneira geral podemos imaginar que, como não há responsabilidade de nenhuma das partes sobre os fatores que impedem o contrato e não há previsibilidade, o artigo 393 já responderia a questão… isto é, o contrato poderia ser resolvido sem o prejuízo para nenhuma das partes, voltando às condições anteriores ao contrato.
Simples né?
Mas não é bem assim.
Vamos lá… Cada caso deve ser analisado individualmente para se verificar as consequências e necessidades das partes, para que a confusão não vá parar na justiça.
Vamos direto a alguns exemplos para entender melhor a situação dos contratos:
Meu contrato de aluguel? Como fica?
Não havendo previsão contratual sobre os casos fortuitos e de força maior, aplica-se o que está no Código Civil, a Lei do Inquilinato, legislação específica ainda em votação no Congresso Nacional e eventuais Decretos e Medidas Provisórias.
Então, é simples. Se você não terá como pagar o aluguel, e não é culpa sua, pois perdeu o emprego devido o motivo de Força Maior, basta parar de pagar o aluguel, certo? ERRADO. Você poderá sim retroagir a como era antes de assinar o contrato, isto é, dar tchauzinho pra sua casa e ir morar com algum parente. A legislação vai proteger você em relação às multas e cláusulas penais, mas você não pode simplesmente não pagar o aluguel e continuar morando na casa às custas do proprietário. Afinal ele também é vítima do motivo de Força Maior assim como você.
Está tramitando no Congresso Nacional um Projeto de Lei que, se for aprovado, poderá facilitar o pagamento do aluguel, suspendendo os aluguéis por alguns meses. A diferença seria pagar aos poucos a partir de novembro de 2020. Mas o texto ainda não foi votado (até a postagem desta matéria em 04 de abril de 2020). Despejos não ocorreram durante a crise… Mas não dá para ficar esperando sem negociar não é mesmo?
Mas então o que fazer?
A melhor opção nestes casos é buscar um acordo através da NEGOCIAÇÃO. Você pode entrar em contato com a imobiliária, ou diretamente com o proprietário (se for o caso), e tentar renegociar valores, prazos, retirar multas por atrasos, parcelar, reduzir por alguns meses o valor pago, etc… A melhor opção em tempos de crise é o bom senso. Caso não queiram negociar, você pode então rescindir o contrato, sabendo que pode ser necessário buscar a justiça para não pagar as multas e demais cláusulas penais, pois se a outra parte já não quis negociar, provavelmente também irá buscar os efeitos do contrato.
Outra opção é ingressar com uma ação na justiça buscando revisar o contrato e alterar os valores de aluguel durante o período da crise. Para isto, é necessário provar que houve alteração na base econômica do contrato, isto é, que as suas condições financeiras não são mais a mesma da época em que o contrato foi celebrado. Isso significa provar que com o advento da pandemia, você passou a ganhar menos, e assim, não dispõe mais dos mesmos recursos. Tudo já é pedido em tutela de urgência, mas é preciso PROVAR as condições. Volto a repetir que o melhor caminho ainda é a negociação e o acordo.
Isso vale também para as prestações de carro, condomínio e qualquer outra situação em que você paga uma prestação para obter um produto ou serviço. Sempre há a possibilidade de se revisar o contrato, desde que seja provado que a base econômica da época da assinatura do contrato foi modificada (condições mudaram).
Lembre-se que o condomínio é um rateio de tudo o que o imóvel oferece, então se você não pagar, alguém vais estar pagando para você, e esse alguém é justamente o seu vizinho, que está no mesmo barco que você.
Os cartões de crédito também são outra preocupação. Neste caso você não pode simplesmente devolver os produtos que comprou e deixar de pagá-los. Ainda mais se você comprou algo depois de fevereiro de 2020, pois nesse caso não existe mais o fator “imprevisibilidade”, pois todos já sabem que estamos em situação de Força Maior. A parte boa é que os bancos não querem perder clientes, e estão fazendo de tudo para facilitar pagamentos. Afinal eles ganham dinheiro é com isso mesmo.
Quando que o Motivo de Força Maior é aplicado nas relações de consumo?
Vamos a mais um exemplo: Você reservou um salão para a festa de casamento. Ótimo. Agora estão proibidas as aglomerações, logo, basta cancelar o casamento e você foi salvo da forca… ops desculpa, não resisti… Bom o contrato não fala nada sobre os casos Fortuitos ou de Força Maior, mas tem uma cláusula penal que em caso de desistência será cobrado de 25% sobre o valor contratado, e em caso de alteração de data, será cobrada uma multa de 10%.
Outro exemplo: Você programou aquela sonhada viagem à Veneza, e agora as fronteiras da Itália estão fechadas… Você comprou em uma oferta maravilhosa no Decolar e agora a empresa aérea quer cobrar 30% para fazer o reembolso…
E então? O que vai acontecer?
Nos dois casos estamos em uma típica relação de consumo. E, nos dois casos, aplica-se o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Nenhuma das partes quis cancelar ou transferir nada… Nesse caso, ninguém tem culpa, pois a Covid19 é um motivo de Força Maior. Então, você poderá nos dois casos transferir os eventos (casamento, ou viagem) sem nenhum custo, ou então voltar às condições anteriores ao contrato, ou seja, desistir e receber o dinheiro de volta.
Mas, o bom senso também deve prosperar. Se você sabe que quer fazer a viagem, e insiste em se casar, não há motivo para causar maior prejuízo ainda às empresas não é verdade? Basta transferir e pronto… Você segura o preço e não quebra o seu fornecedor.
A Medida Provisória 925 editada pelo Presidente autoriza as empresas aéreas a efetuarem a devolução do dinheiro (quando o consumidor desistir da viagem e não aceitar a remarcação) dentro de UM ano. Além disso, as companhias aéreas poderão reter porcentagem dos valores pagos caso o reembolso seja solicitado. Isso só para os reembolsos pedidos devido a Pandemia. A proposta é para evitar que empresas quebrem por ter que devolver muito dinheiro em pouco tempo. O prazo normal para companhias aéreas e demais empresas efetuarem o reembolso é de 30 dias (fora do período da pandemia).
Não esqueça que no exemplo da viagem, as empresas não são obrigadas a manter o valor pago se você mudar a rota, isto é, ao invés de ir pra Veneza resolver ir para Miami comprar tênis.
Se a situação complicar, utilize o site consumidor.gov.br para registrar sua queixa. Normalmente a solução é rápida. Mas, se não adiantar, procure um advogado e busque seus direitos.
Estes são apenas alguns exemplos, pois como vimos, cada caso é um caso…
2 respostas em “COVID 19: Obrigações e Contratos”
Amei, aprendi muito com essas dicas! Texto para leigos em direito entenderem tudo! Gratidão meu amiguinho!
Obrigado Claudinha. Olha só, ontem postamos uma outra análise que será muito útil pra você. Falamos sobre a MP 936 e as opções para os empresários nos tempos de crise. Dá uma conferida. Abração.